sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O governo Temer é frágil, mas o golpe se consolida

As diferenças entre PSDB e PMDB não se resumem às siglas. São representações políticas de frações do capital em disputa aberta pelo Estado 
 
por Gilberto Maringoni

Antonio Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas

Michel Temer, Renan Calheiros e Aécio Neves em encontro de abril de 2016

Michel Temer resolveu mostrar serviço nesta semana. Amplia o programa de privatizações e concessões do governo Dilma Rousseff, promete financiamento da ordem de R$ 30 bilhões a juros subsidiados e anuncia “uma abertura extraordinária” da infraestrutura brasileira à iniciativa privada.

E ainda propaga novidade teórica nunca vista em tempo algum da História: “A presença da iniciativa privada como agente indutor do desenvolvimento e produtor de empregos no país”.

O atual ocupante do terceiro andar do Palácio do Planalto busca responder aos questionamentos crescentes sobre sua capacidade de estabilizar a administração pública.

O governo não dá mostras de conseguir reverter o legado de Dilma Rousseff, que produziu dois anos de PIB negativo e 12 milhões de desempregados. O descontentamento social é crescente.

Em julho, segundo o Datafolha, apenas 14% dos brasileiros aprovavam o desempenho da nova equipe. Atos de protesto espalham-se pelo país. O “Fora Temer!” deixou de ser apenas um grito de protesto e se transforma em fenômeno cultural, falado e replicado até em redes de tv aberta.

Perdeu a narrativa

O oficialismo perdeu a disputa de narrativas sobre o ocorrido nos últimos meses. Da imprensa internacional a membros da própria administração, passando pelas ruas, uma unanimidade se forma: foi golpe! Até mesmo o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) vaticinou, em entrevista à Folha de S. Paulo: “O discurso do golpe precisa da minha cassação”.

Se não bastasse ter a legitimidade questionada por baixo e pelos lados, Michel Temer ainda enfrenta problemas pelo topo.

Há sérias dúvidas por parte de setores do grande empresariado – em especial do capital financeiro – sobre a capacidade do governo levar adiante o conjunto de medidas que se constitui em sua razão de ser.

Elas darão curso à transformação do que inicialmente era um ajuste fiscal – ou seja, medidas tópicas para garantir a solvência do Estado em médio prazo – em política fiscal permanente.

Nesse conjunto está o tripé do projeto golpista: o orçamento de base zero, sem aumento real por 20 anos; a reforma trabalhista, que enseja o enterro de uma série de direitos consagrados na CLT e, por fim, um radical processo de privatizações – o que inclui o eufemismo batizado de “concessões”, envolvendo até mesmo a Petrobrás e a Caixa Econômica Federal.

Em duas frases, a meta é romper os pactos sociais da Constituição de 1988 e das leis trabalhistas de 1943. Para realizar o conjunto da obra, é essencial debelar focos de resistência popular, por bem ou por mal.

Dúvidas cruéis

As dúvidas dos donos do dinheiro afloraram na mídia ao longo dos últimos dias. Em português claro, isso significa que há ruídos entre o projeto que o grande capital – financeiro e industrial – tem em meta e a competência do governo para aplicá-lo em sua inteireza.

A capa da Veja deste final de semana mandou recado eloquente. Ali se estampava, com alarido, a denúncia de Fábio Medina Osório, ex-advogado-geral da União, de que “O governo quer abafar a Lava Jato”.

Dias antes, Aécio Neves (PSDB-MG) chegou a ameaçar o afastamento de seu partido da base governista, caso o presidente não oferecesse garantias sólidas e imediatas da aplicação das medidas prometidas.

Seguidas declarações de grandes empresários em favor do aprofundamento do ajuste são estampadas diariamente na imprensa.

O que é, para esses setores, a administração saída do tapetão institucional? Talvez a melhor definição seja a de Fernando Henrique Cardoso, em entrevista a Josias de Souza, no 7 de setembro: “A situação atual é como se fosse uma pinguela. Não é uma ponte, é uma pinguela. Mas, se quebrar a pinguela, cai no rio. É pior. Então, nós temos que apostar que vamos atravessar essa pinguela e vamos chegar do outro lado do rio”.

O desprezo para com o aliado de ocasião é cristalino.

Assim, há substanciais evidências de turbulências entre os propósitos do grande capital e sua representação político-institucional.

Ruídos na transmissão

Existem ruídos no encaminhamento do ajuste no Congresso. Foram divulgadas nada menos do que uma dúzia de emendas à PEC 241, que congela o orçamento por 20 anos. Algumas aceitam o torniquete nas contas públicas, desde que saúde e educação fiquem preservadas. A maior parte de tais proposições vem do PMDB.

O partido não parece muito animado com a ideia de ficar com o ônus da aplicação de iniciativas impopulares, que tendem a aprofundar a recessão. A conta pode chegar no pleito de outubro, ou mesmo nas eleições presidenciais de 2018.

Embora tenha alcançado a cadeira presidencial sem voto, o PMDB não tem por vocação praticar haraquiri eleitoral. Os números de sua capilaridade social são superlativos. Apresenta um quadro de 2,3 milhões de filiados, 996 prefeitos (dois em capitais), sete governos estaduais, 18 senadores e uma bancada de 68 deputados federais. Os dados são da página do partido na internet.

Não é à toa que o PSDB, seu principal parceiro na aventura do impeachment, espera por parte de Michel Temer um único compromisso: o de não se candidatar daqui a dois anos. A tática é tão clara quanto esperta. Querem que a agremiação fundada por Ulysses Guimarães assuma o ônus da crise e sofra o desgaste da impopularidade galopante.

Roteiro esperto

O roteiro dos demiurgos tucanos é tão esperto que salta à vista. Investem na aplicação de medidas que solapam a própria estrutura do Estado brasileiro, mas buscam se livrar da conta do desastre. Almejam o terreno livre para uma candidatura lépida e fagueira, em 2018. Até lá, uma renhida campanha de destruição da reputação de Lula ou mesmo sua prisão seria uma mão na roda.

Quem conhece um pouco da história do PMDB, pode facilmente perceber que a agremiação pode ser tudo, exceto: ser composto por uma plêiade de otários e um partido de puro sangue neoliberal.

O PMDB nunca foi abertamente neoliberal. Participou de governos com essa matriz, o que é diferente. Em seu auge foi devoto do nacional-desenvolvimentismo, como atesta o programa “Esperança e mudança”, de 1982, hoje totalmente esquecido.

Sempre ancorou sua legitimidade na indústria (Fiesp e congêneres), no agronegócio, passando pela burguesia com transações vinculadas ao Estado (empreiteiras e prestadoras de serviço) e no médio e pequeno empresariado.

Os correligionários do presidente não fazem isso por algum compromisso cívico, mas pelos interesses que representam e por boa dose de oportunismo misturado com demagogia.

A legenda de Renan Calheiros, Romero Jucá e Eliseu Padilha necessita de votos para sobreviver. Votos calcados em clientelismo e em sua capacidade de se infiltrar nos meandros do Estado. Assim, sua defesa do que se convencionou chamar de “Estado mínimo” tem limites impostos por sólidos interesses imediatos.

Não é o caso dos tucanos, mais ligados ao capital financeiro, o que pode ser atestado por suas indicações para a área econômica e para a diplomacia do governo.

Representação política

As diferenças entre PSDB e PMDB, portanto, não se resumem às siglas. São representações políticas de frações do capital em disputa aberta pelo Estado.

Apesar do anúncio das privatizações, é bem possível que Michel Temer vacile em acelerar ainda mais as medidas recessivas contidas em seu ideário inicial, o documento Ponte para o futuro.

Caso hesite, como vinha fazendo, prepostos do capital não hesitarão em novamente puxar a faca. Capas de revistas, manchetes, denúncias e discursos indignados no Congresso darão o recado.

Dessa constatação vem o título deste artigo. Michel Temer depende do apoio de forças sobre as quais não exerce o menor controle. Essas poderosas vertentes do capital garantem o golpe, mas não seu governo.

A tática do tucanato ainda não é clara. Se o governo não entrar nos eixos, poderiam até fazer do "Fora Temer" uma medida concreta, com eleição indireta no início de 2017.

Aí se lograria obter a “pacificação nacional”, tão propalada nos últimos meses.

Falta ainda combinar com os russos. Quer dizer, com as ruas.


Gilberto Maringoni  
Carta Capital

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