segunda-feira, 17 de julho de 2017

Com Temer, a CLT é colocada a sete palmos

Para o deleite da casa-grande, o Congresso conclui o funeral da consolidação das leis do trabalho

Lula Marques/Agência PT

O louvável ato de resistência das senadoras da oposição só prolongou o velório


por Rodrigo Martins
 
Último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, o Brasil tardaria mais quatro décadas para reconhecer a necessidade de o Estado mediar as relações entre o capital e o trabalho livre. A Constituição Republicana de 1891 ignorou solenemente o tema.

Apenas com a reforma constitucional de 1926 abriu-se a possibilidade de o Congresso legislar sobre o trabalho. Essa abertura teve, porém, pouco resultado efetivo até a Revolução de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas.

Ao instituir o salário mínimo, regular a duração da jornada, assegurar descanso semanal remunerado e férias, além de oferecer planos de aposentadoria, Vargas acenou com a promessa de inclusão das massas desdenhadas desde os tempos do Brasil Colônia.

Para ter acesso a esse conjunto de direitos, inicialmente restritos aos operários urbanos, bastava o brasileiro conquistar um emprego formal, com carteira assinada.

Influenciada pela encíclica católica Rerum Novarum, na qual o papa Leão XIII fala sobre as condições dos operários no fim do século XIX, e pela Carta del Lavoro, da Itália fascista, a Consolidação das Leis do Trabalho, decretada por Vargas em 1º de maio 1943, não permaneceu intocável. Mais de 50 leis, decretos e Medidas Provisórias alteraram o texto original ao longo de 74 anos. Mudanças pontuais, ora para ampliar direitos, ora para restringi-los.

Nada comparado ao desmonte promovido pela reforma de Temer e aprovada pelo Senado na terça-feira 11. As alterações em 117 artigos da CLT ferem de morte todo o arcabouço legal de proteção aos trabalhadores brasileiros.

Na prática, a nova legislação abre brechas para que os empregados formais sejam demitidos e recontratados como falsos trabalhadores autônomos ou falsas pessoas jurídicas, eximindo os tomadores de serviço do pagamento de direitos como férias e 13º salário, além de afastar a ameaça de processos na Justiça do Trabalho.

Um golpe de mestre, patrocinado pelas principais entidades empresariais do País, as mesmas que se recusaram a “pagar o pato” da crise.
 
O legado de Getúlio Vargas é descartado em prol de um projeto de precarização do trabalho (Foto: Reprodução)

O bravo ato de resistência de senadoras da oposição, em protesto por quase sete horas na mesa diretora do Senado, apenas prolongou o velório da CLT.

Na penumbra, após o presidente da Casa Legislativa, Eunício Oliveira, determinar que as luzes do plenário fossem apagadas, o grupo liderado pelas petistas Gleisi Hoffmann, Fátima Bezerra e Regina Souza, além de Vanessa Grazziotin, do PCdoB, e Lídice da Mata, do PSB, tentou, em vão, convencer a base governista a aprovar ao menos um destaque ao texto, contrário à proposta que abre a possibilidade de grávidas e lactantes trabalharem em ambientes insalubres.

Como a medida implicaria o retorno de toda a reforma à apreciação da Câmara, não houve acordo. Com a retomada da sessão, o texto-base restou aprovado por 50 votos favoráveis e 28 contrários.

O Senado abdicou de seu papel de Casa Revisora com base em uma promessa do governo de editar uma Medida Provisória para suprimir certos excessos do texto, entre eles a perigosa situação imposta às grávidas e lactantes.

Não tardou, porém, para o acordo se revelar uma fraude. Um dia após a aprovação da reforma trabalhista, com todos os destaques apresentados pela oposição rejeitados, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, demonstrou não estar disposto a concessões.

“Qualquer MP não será reconhecida pela Casa”, escreveu em seu perfil no Twitter. As aberrações são tantas que, praticamente, todas as entidades representativas do Ministério Público e da Magistratura Federal se mobilizaram contra a reforma de Temer.

Em nota pública, divulgada às vésperas do enterro da CLT no Congresso, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras organizações da sociedade civil, conclamaram os senadores a rejeitarem a “aprovação açodada de um projeto crivado de inconstitucionalidades e deflagrador de grave retrocesso social”.

Para juízes e procuradores do Trabalho, boa parte das alterações na legislação é inconstitucional. Ao permitir a contratação de trabalhadores autônomos, mesmo que eles venham a prestar serviços com continuidade e exclusividade para uma única empresa, a nova legislação fomenta fraudes, alerta Ângelo Fabiano Farias da Costa, presidente da ANPT.
O assalariado pagou o pato (Foto: Nelson Almeida/AFP)

 “O que caracteriza uma relação de emprego é a pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. Se o autônomo atua com continuidade e exclusividade para uma única empresa, ele é um empregado. Deveria estar registrado, gozar dos mesmos direitos dos celetistas. No entanto, o autônomo assume todos os riscos e praticamente não possui direitos, como férias remuneradas, 13º salário, adicional por atividades perigosas ou insalubres, está completamente desprotegido.”

Da mesma forma, acrescenta o procurador, as fraudes podem abundar com a constituição de microempresas de fachada, constituídas de trabalhadores que atuarão com exclusividade para um único tomador de serviços.

"O novo entendimento de terceirização pode gerar situações surreais, como a existência de fábricas sem um único operário contratado diretamente. Os serviços podem ser integralmente executados por falsas empresas, sem qualquer ônus trabalhista para o contratante”, explica Costa. “Até mesmo o acesso à Justiça do Trabalho estaria bloqueado, pois, no papel, trata-se da relação entre duas pessoas jurídicas.”

Não é tudo. A reforma de Temer também estabelece o contrato de trabalho intermitente, batizado pelos críticos de “legalização do bico”. Com três dias de antecedência, o empregado é convocado para trabalhar, momento no qual é informado da jornada a ser cumprida.

O funcionário pode aceitar ou não a proposta, e receberá apenas pelo período efetivamente trabalhado, que pode ser em horas, dias ou meses. O período de inatividade, no qual fica à disposição do contratante, é desconsiderado. Caso aceite o serviço e não compareça, ele ainda terá de pagar uma multa ao empregador, correspondente a 50% do valor da remuneração que lhe seria paga.

“O empregado não sabe o quanto vai trabalhar, em que dias e, portanto, o quanto receberá como salário. Essa insegurança agrava sua subordinação econômica e precariza suas condições de trabalho, repercutindo em todos os demais campos de sua vida social”, assinala Patrícia Maeda, juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas), em artigo publicado no site Justificando, parceiro de CartaCapital. Ao cabo, esse funcionário nem sequer tem a garantia de que trabalhará o suficiente para amealhar um salário mínimo ao longo do mês.

A prevalência das negociações coletivas sobre a legislação é outro ponto problemático. Hoje, o artigo 7º da Constituição só prevê a redução de direitos por convenção ou acordos coletivos em questões relacionadas a salário, jornada de trabalho e duração dos turnos ininterruptos de revezamento, caracterizados pela realização, de forma alternada, de atividades nos períodos diurno e noturno.
Eunício Oliveira, o padrinho da contrarreforma (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

“Fora dessas situações, não é concebível que as negociações resultem em prejuízo ao trabalhador”, observa Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra.

A reforma aprovada pelo Congresso abre, porém, a possibilidade de reduzir o intervalo intrajornada, o popular “horário do almoço”, de uma hora para 30 minutos, de instituir remuneração por produtividade, gorjetas e desempenho individual, de trocar o dia do feriado e de prorrogar a jornada em ambientes insalubres sem licença prévia do Ministério do Trabalho, entre outras.

“Agora, uma negociação pode alterar até o enquadramento do grau de insalubridade do ambiente de trabalho, ignorando as normas de segurança e os laudos periciais. Pior: o juiz trabalhista ficará restrito à análise dos aspectos formais do acordo, não pode se manifestar sobre o conteúdo, mesmo quando for flagrantemente ilegal”.

A situação é especialmente delicada, devido à fragilidade da organização sindical no Brasil. Em recente entrevista a CartaCapital, Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores, observou que muitas empresas impedem os sindicatos de entrar no local de trabalho para conversar com os operários que representam.

“Como negociar quando não há respeito ao direito à associação?”, indaga. Ademais, dos 17 mil sindicatos em atuação no Brasil, apenas metade deles celebrou, em algum momento, convenção ou acordo coletivo, emenda Feliciano, da Anamatra.

Talvez o maior exemplo da fragilidade sindical seja a baixíssima resistência dos trabalhadores ao desmonte da CLT. Após a megaparalisação nas principais capitais do País em 28 de abril, as centrais não conseguiram mais arregimentar tantos manifestantes nos atos que se sucederam.

Em recente evento promovido na sede da CUT em São Paulo, uma liderança da Baixada Santista chegou a questionar, em voz alta: em abril, os trabalhadores não saíram de casa por apoiar a greve ou porque os ônibus não saíram das garagens?


Pelo visto, o Brasil quer entrar na competição com Bangladesh (Foto: ZumaPress/FotoArena)

Não bastasse, patrões e empregados poderão fazer acordos individuais sobre parcelamento de férias, compensação de banco de horas e jornada de trabalho.

Não precisa ser um vidente para adivinhar qual vontade deve prevalecer nas negociações. A reforma também cria obstáculos para o acesso à Justiça do Trabalho.

Mesmo quem tem direito ao benefício da gratuidade do acesso, por receber salário igual ou inferior a 2.212 reais (40% do limite máximo de benefícios do Regime Geral da Previdência Social), pode ter de arcar com os custos periciais, caso seja vencido no objeto da perícia. Da mesma forma, terá de pagar os honorários advocatícios, caso tenha algum pleito negado pelo juízo, ainda que parcialmente. “Mesmo que a reclamação tenha sido de boa-fé, o trabalhador terá de assumir esses custos, o que pode intimidá-lo de acionar a Justiça”, diz Costa, da ANPT.

Outra aberração jurídica é a limitação pecuniária das indenizações por danos morais, baseadas no salário das vítimas, o que viola o princípio da isonomia. Para uma ofensa de natureza gravíssima, como um acidente que resulta na morte ou incapacidade do trabalhador, a reparação máxima é de 50 vezes o último salário contratual.

“Imagine que, por negligência da empresa, um elevador despenque e deixe todos os ocupantes tetraplégicos. Lá havia um diretor, que ganhava 20 mil reais por mês, um operário com remuneração de 1,2 mil e um visitante.

Pois bem, o diretor pode receber uma indenização de até 1 milhão de reais, o operário ganhará, no máximo, 60 mil e a outra vítima, que não integra o quadro de funcionários, não terá qualquer limite, pois seu caso será tratado na esfera do Direito Civil. Percebe o absurdo? A ofensa é a mesma, mas uma vida vale mais que a outra”, exemplifica o juiz Feliciano, da Anamatra.

Os defensores da reforma sustentam que as mudanças são indispensáveis para combater o desemprego no Brasil, que já atinge 14 milhões de trabalhadores. Não há, porém, qualquer evidência científica de que a supressão de direitos possa reaquecer o mercado de trabalho, alerta o economista José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit).

“O que gera emprego é crescimento econômico. Se a demanda estiver aquecida, o empresário não hesitará em contratar mais funcionários para abastecer o mercado.”
Imagem de uma greve de resultados efêmeros (Foto: Nelson Almeida/AFP)

As pesquisas reforçam a análise do especialista. No relatório World Employment and Social Outlook 2015: The Changing Nature of Jobs, produzido pela Organização Internacional do Trabalho, foram analisadas estatísticas de 63 países, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Com dados consolidados de um período de 20 anos, o estudo conclui que a diminuição na proteção dos trabalhadores não estimula a geração de empregos.

Não custa lembrar que, em dezembro de 2014, a taxa de desemprego no Brasil caiu para 4,3% da População Economicamente Ativa (PEA), segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, a menor da série histórica iniciada em 2002. Àquela época, ninguém ousava dizer que a CLT representava um entrave à criação de postos de trabalho.

Para o economista Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, é igualmente falacioso dizer que o empregado brasileiro é caro. “O custo do trabalho no Brasil até 2014 era 20% maior do que na China. Repetia-se o mantra de que era impossível competir com os chineses por causa disso.

A partir de 2016, a mão de obra na China passou a custar 16% mais do que aqui. Igualmente, até 2014, um trabalhador brasileiro custava um terço do equivalente nos EUA, atualmente vale 17%”, resumiu, em recente entrevista a CartaCapital.

Krein observa, ainda, que a busca de competitividade no mercado globalizado pelo baixo custo da mão de obra é uma estratégia burra. “O Brasil jamais chegará ao patamar de Bangladesh, onde um operário custa 40 dólares mensais.

Antes disso, teríamos uma convulsão social”, afirma. “Além disso, o salário não é só custo, também é renda. O rebaixamento da remuneração implica a retração do consumo doméstico.”


Carta Capital

Seul propõe a Pyongyang conversas militares para reduzir tensão entre Coreias

Coreia do Sul ainda aguarda resposta do Norte sobre a realização do encontro, que aconteceria na próxima sexta na zona desmilitarizada na fronteira entre os dois países

O governo da Coreia do Sul propôs nesta segunda-feira (17/07) a Pyongyang realizar ainda nesta semana – na sexta-feira, dia 21 - conversas militares pela primeira vez em quase três anos para reduzir a tensão em torno da fronteira que separa ambos os países.

Seul propôs que a reunião aconteça na chamada Zona de Segurança Conjunta (JSA, na sigla em inglês), que fica na zona desmilitarizada que funciona como divisão entre Norte e Sul, afirmou em coletiva de imprensa o vice-ministro de Defesa Suh Choo-suk.

"Conversações e cooperação entre as Coreias para aliviar as tensões e trazer paz à Península da Coreia será algo fundamental para impulsionar um ciclo mútuo e virtuoso nas relações bilaterais e no problema do programa nuclear norte-coreano", afirmou o ministro sul-coreano para a Unificação, Cho Myoung-gyon.
Wikimedia Commons

Conversas aconteceriam na zona desmilitarizada na fronteira entre os dois países

A proposta - alinhada com a oferta de diálogo planejada recentemente pelo novo presidente sul-coreano, Moon Jae-in, em um discurso pronunciado em Berlim - foi feita em um momento marcado pelo aumento da tensão na península coreana com os insistentes testes de armas de Pyongyang.

Seul ainda aguarda a resposta de Pyongyang sobre a realização do encontro.

A China, país que possui laços estreitos com a Coreia do Norte, elogiou a iniciativa de Seul. "Esperamos que as Coreias do Norte e do Sul possam trabalhar duro numa direção positiva para romper com os impasses e retomar o diálogo e as discussões", afirmou Pequim.


Opera Mundi

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Caminho aberto para a barbárie: Senado abre consulta sobre liberação de arma na zona rural

Mesmo com escalada da violência no campo, e após três massacres, senador Wilder Morais (PP-GO) apresenta lei para facilitar posse de armas

Por Cauê Ameni, no De Olho Nos Ruralistas



Com três grandes chacinas e um total de 48 mortos no campo, o ano de 2017 está entrando para história como um dos mais sangrentos desde a redemocratização. Mesmo com esse cenário, o senador Wilder Morais (PP-GO) propôs o PL 224/2017, que autoriza a posse de arma em zonas rurais. A proposta está aberta para votação por meio do portal e-Cidadania do Senado e já conta com 5.233 votos a favor e 511 contra.

Morais ficou conhecido em fevereiro por ser o dono de um barco-boate, uma chalana chamada Champagne, onde ele e outros senadores receberam Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça, que buscava apoio político para ser confirmado como ministro do Superior Tribunal Federal (STF).  

Repórter Brasil / Reprodução

Segundo o projeto, terão direito à posse de arma pessoas maiores de 21 anos que satisfaçam as exigências do Estatuto do Desarmamento. Atualmente, o porte é permitido para maiores de 25 anos que comprovem morar em zona rural e a necessidade de arma para caça. O objetivo do projeto é permitir a posse de arma – e não o porte – apenas pelo fato de residirem em área rural, independente da necessidade de garantir a subsistência alimentar.

Morais disse que o morador do campo “encontra-se desassistido pelas forças de segurança em tempo hábil para preservar a sua integridade física e moral, o que demanda a atuação do Estado no sentido de assegurar seu direito à autodefesa”.

O último grande massacre no campo no Brasil, no município de Pau d’Arco, no sudeste do Pará, foi realizado exatamente pela policia, no dia 24 de maio. Deixou dez camponeses mortos durante reintegração de posse em ocupação na Fazenda Santa Lúcia.
Armas apreendidas pela polícia após chacina ocorrida em fazenda do Pará (Ascom/PC/Divulgação)

Em delação premiada, dois policias civis confessaram que a intenção dos policias militares era matar todos os camponeses. Segundo o promotor Alfredo Amorim, os policiais foram intimados a aderir ao crime ou poderiam se tornar vítimas também. Com o avanço das investigações, a Justiça determinou a prisão de 13 policiais envolvidos na operação.



Leia a matéria completa no De Olho nos Ruralistas.
Foto: Mais RO

Revista Forum

Rock: uma autêntica expressão da sociedade industrial

Divulgação

O show estava dentro da tradição de participação social que o rock exibia desde sua origem

O rock and roll é o grande fenômeno mundial de massas surgido em meados do século passado, e que ainda mantém o vigor excepcional.

Por Carolina Maria Ruy


No Brasil o rock é homenageado em 13 de julho, considerado o dia mundial do rock. A ideia foi lançada em homenagem ao Live Aid, o grande show ocorrido nesse dia, em 1985, organizado por Bob Geldof, contra a fome na Etiópia. A ideia havia sido proposta por Phil Collins. O show foi apresentado em Londres (Inglaterra) e Filadélfia (EUA), e transmitido ao mesmo tempo para todo o mundo. Lá estavam The Who, Status Quo, Led Zeppelin, Dire Straits, Madonna, Queen, Joan Baez, David Bowie, BB King, Mick Jagger, Sting, Scorpions, U2, Paul McCartney, Phil Collins, Eric Clapton e Black Sabbath.
Aquele show estava dentro da tradição de participação social que o rock exibia desde sua origem. E que levava muitos artistas a usar o prestígio ganho na indústria cultural, em benefício de causas coletivas. Uma tradição de inconformismo que o rock traz desde sua origem.
Apesar de se chamar "Dia Mundial do Rock", a data só é comemorada no Brasil, desde 2005.

Fenômeno da cultura de massas do século 20, o rock and roll começou com a primeira gravação de Rock around the clock, por Bill Haley and the Comets, em 12 de abril de 1954.

Naqueles anos, um disc-jóquei de Cleveland, Ohio (EUA) havia descoberto o potencial mercadológico do rhythm-and-blues e percebeu que ele poderia atingir o público branco se eliminasse a carga demasiado negra que aquele nome evocava.

Além disso era necessário encontrar um branco capaz de cantar como um negro,que ademais pudesse se tornar símbolo sexual e que fosse capaz de “transformar aquele modismo numa verdadeira revolução”, como diz o historiador Paulo Chacon.

Bill Halley não cabia nessa definição: “era muito velho e gordo, além de pouco criativo,para resistir às novas exigências”. Quando, naquele mesmo ano, Elvis Presley se apresentou numa emissora de rádio cantando That’s all right, estava descoberto aquele que seria a primeira grande estrela de massas do rock. Ele surpreendeu o público ao mostrar sua cara pelo fato de não ser negro, embora cantasse músicas que lembravam o gospel,o jazz e o blues. A juventude se identificou com aquele incipiente movimento, e o capitalista Tom Parker, empresário de Elvis, sabia o que estava fazendo: em 1956 foram vendidas, em poucos dias, 1,5milhão de cópias do LP Heartbreak Hotel.

O rock nascia assim – juntando raízes negras e brancas sob o comando da chamada indústria cultural. No início do século 20, com sua música animada, piano, percussão, instrumentos de sopro e coral, a igreja evangélica dos negros norte-americanos era uma expressão musical forte e espontânea, diferente dos padrões culturais brancos. Ao lado das jazz bands negras do sul dos EUA, do blues, que permitia maior flexibilidade no uso de acordes maiores e menores, e da folk-song dos brancos, o estilo gospel daquelas igrejas foi a base sobre a qual o rock’n’roll surgiu, sob o signo da mistura, da irreverência, da informalidade - e do mercado. De 1955 a1965 Elvis vendeu 100 milhões de discos. A produção massificada da indústria permitiu que o rock logo se popularizasse, ultrapassando as fronteiras de seu país de origem e consagrando-se como um estilo pretensamente universal.

O final da II Guerra Mundial (1945) havia marcado o início de um período de crescimento da economia norte-americana, e de incorporação de amplos setores de trabalhadores ao mercado de consumo. O fortalecimento da indústria nos EUA, que supria a demanda dos países devastados pela guerra, o desenvolvimento tecnológico e o pleno emprego criaram as condições para o consumo de massa.

O rock nascia assim – juntando raízes negras e brancas sob o comando da chamada indústria cultural.

A década de 1950 foi marcada também por uma onda de rebeldia juvenil, representada no cinema por O Selvagem (The Wild One, 1953), estrelado por Marlon Brando e Juventude Transviada (Rebel withouta cause, 1955) com James Dean. Eles influenciaram o comportamento, a postura e o modo de vida adotado pela juventude e que o estilo rock’n´roll consolidava.


A explosão seguinte do rock, que o disseminou pelo globo, foi o aparecimento dos Beatles, na Inglaterra, em 1962. Eles chegaram à consagração em 1963, com Please, Please Me, que os tornou ídolos internacionais. Mas logo começam a mudar a postura de bons moços, assumindo uma crítica sarcástica, ilustrada pelo álbum Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, de 1967,que sinalizava a passagem de uma rebeldia sem causa, das baladinhas rimadas de entretenimento juvenil, para um som mais criativo, politizado e experimental. Depois da dissolução do conjunto, em 1970, John Lennon, que foi o poeta do grupo, iniciou uma carreira solo ligada à luta política de seu tempo, tendo composto um verdadeiro hino à paz, a canção Imagine, e outras de teor radical como Women is the Níger oft he world, ou Working Class Hero.

Foi também em 1962 que apareceram, na Inglaterra, os Rolling Stones, que dão novo impulso ao rock, com predominância vocal, ritmo quatro por quatro, fortemente apoiado no segundo e quarto tempos, como It's only rock and roll.

Nessa época Bob Dylan também gravou seu primeiro disco, em 1961, cujo som rústico e inteligente influenciou músicos mais rebeldes e contestadores.

Outro ícone, Jimi Hendrix, surge no Festival de Monterey, em São Francisco, EUA, 1967. Com fortes raízes no blues, levou o rock ao ápice como forma de expressão artística, política e revolucionária. Um exemplo foi sua execução, clássica, do Star Spangled Banner, o hino nacional dos EUA, no Festival de Woodstock,em 1969. Ele o decompôs na guitarra, transformando-o nos ruídos da guerra – o troar dos aviões, o assobio das bombas caindo, as metralhadoras –, balbúrdia contrastada pela melodia harmoniosa e suave do blues Purple Haze, que tocou em seguida, uma fina ironia que marcou os protestos dos jovens contra a agressão norte-americana ao Vietnã.

Se nos anos 1960 e em parte dos 1970 o rock foi veículo para o protesto contra a guerra e contra o modo de vida americano, dos anos 70 em diante o protesto foi mais social; o movimento punk escancarou a degeneração da juventude marginalizada típica de metrópoles industrializadas, como Londres – uma juventude proletarizada, sem emprego nem perspectivas. As gravações de God Save the Queen (o hino nacional inglês) e Anarchy in the UK pelos Sex Pistols, têm o teor do anarquismo que marcou o movimento.

O Sex Pistols refletiu a contradição aguda do rock, oscilando entre o protesto e o mercado, e sintetizou as tendências contraditórias que o gênero ia seguir. Liderado pelo baixista Sid Vicious,o grupo surgiu em 1976, formado pelo empresário Malcolm Mc Laren, um vendedor de roupas londrino que imaginou ganhar dinheiro produzindo música punk e para isso contratou músicos no submundo adolescente de Londres. O Sex Pistols, de qualquer forma, trouxe para o rock o desespero e a raiva de uma juventude que já não via o futuro de maneira rósea, como a geração anterior. “Não sabemos onde está o nosso alvo. Mas atiramos para todos os lados para ter certeza de acertar”, disse certa vez Sid Vicious. Ali estava representada uma das tendências futuras do rock, do qual o Nirvana (na década de 1980) e os grupos grunges, de garagem, de Seatle, EUA, foram uma espécie de continuação sofisticada, mas também edulcorada pelo canal especializado em música jovem, a MTV.

De todo modo, a liberdade de criação e a abrangência que o fenômeno abarcava permitiu o surgimento de uma enorme diversidade de segmentos dentro do título unificador do rock.

Em 1981, um novo passo: é criada, nos Estados Unidos,a MTV, um canal de televisão voltado para o rock e a música jovem. A essa altura o estilo era dominante entre os jovens norte-americanos, fenômeno que a emissora reforçou e formalizou, capitalizando essa hegemonia. O rock de hoje sobrevive através do resgate, recriação e mistura de elementos já existentes, mais do que com estilos novos. Estilos como hip-hop, hard core e “guitar”, por exemplo, são versões modernas do rap, do heavy metal, do punk e da psicodelia dos anos 1960.
Protesto, mercado, raízes populares, guitarra e bateria – esses foram os ingredientes do maior fenômeno de cultura jovem que faz parte da história cultural desde a segunda metade do século 20.

Origens e trajetória do rock brasileiro

Foi devido à promessa de lucros comerciais que o Brasil importou o rock já nos anos 1950. Cantores brasileiros gravavam versões de músicas americanas de sucesso, como Diana, de Paul Anka, cantada por Carlos Gonzaga, que logo estourou nas rádios. Em 1959, a cantora Celly Campello, foi o primeiro fenômeno de massa do rock no Brasil. Ela gravou Estúpido Cupido, versão de Fred Jorge, e que foi um sucesso imediato.

A indústria cultural expandia seus tentáculos, mas logo defrontou-se com aqueles que usavam a arte para resistir à invasão cultural, a exemplo de Carlos Lyra - que participou no início dos anos 1960 do CPC da UNE. Nesse período havia um preconceito contra o uso da guitarra elétrica, típica do rock, condenando-a de contaminar a pureza da música brasileira, e a falsa ideia de que música nacional autêntica era aquela que se referia aos problemas sociais, como vemos nas canções Pau de Arara e Subdesenvolvido. Esse era um tema importante da luta cultural e da resistência contra a ditadura de 1964 e a internacionalização que ela e as elites conservadoras patrocinavam, mas muito estreito e sectário do ponto de vista cultural e comportamental.

O rock brasileiro tomou a forma de um movimento em 1965, quando surgiu o musical de televisão Jovem Guarda,criado para manter a audiência da TV Record, ameaçada como fim da transmissão dos jogos de futebol aos domingos.

O dono da emissora, Paulo Machado de Carvalho, trouxe Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa para comandar a turma que também tinha Sérgio Reis, Renato e seus Blue Caps, Golden Boys, Trio Ternura, Martinha e tantos outros.

Foi um sucesso enorme. Considerada alienada pelos setores avançados, a Jovem Guarda, curiosamente batizada com uma expressão originária de Lênin, ajudou a fixar o gênero por aqui, definindo uma forma brasileira de tocar rock, com cantores e músicos que vieram da periferia da bossa nova.

Logo depois da Jovem Guarda, e na esteira do sucesso dos festivais de música popular brasileira promovidos pela Record, surgiu o tropicalismo, com seu cosmopolitismo e fortemente influenciado pelo rock. Esse movimento misturava o rock com a música brasileira, o baião e o samba, e incorporava a guitarra elétrica.

Provocou forte polêmica, marcada pelas vaias que Caetano Veloso recebeu em São Paulo, quando cantava É proibido proibir durante o Festival da Música Brasileira de 1968. E também quando Sérgio Ricardo, impedido pelas vaias dos partidários da guitarra elétrica, não conseguiu terminar de cantar Beto bom de bola, no mesmo festival, e, enraivecido, quebrou o violão e atirou os pedaços sobre a plateia.

O manifesto desse movimento foi o disco Tropicália, de 1968, com Torquato Neto e Capinam (os verdadeiros autores do movimento), Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé,Nara Leão e Os Mutantes, tudo arranjado pelo maestro Rogério Duprat, que resgatou a antropofagia dos modernistas de 1922. Seu ecletismo, fora dos padrões musicais de então, marcou uma profunda transformação na música brasileira.

Com o tropicalismo, a banda Os Mutantes, um de nossas mais importantes grupos de rock, passa para o primeiro plano, com seu som criativo e um toque de experimentalismo, os quais não a distanciavam contudo da cultura brasileira e da MPB.

Entre a Jovem Guarda – com seu romantismo açucarado e inconformismo de aparência – e os tropicalistas, que produziam um som mais cosmopolita sem, no entanto, negar as raízes brasileiras, havia ainda rebeldia no rock brasileiro?

Sim, e o surgimento, naquele conturbado 1968, do primeiro LP de Raul Seixas– mesmo ignorado pela crítica e pelo público – atesta isso. Desde 1962 o cantor e compositor baiano tocava “músicas de cowboy” ao estilo de Elvis Presley, Little Richards e Chuck Berry. Ele porém só conheceria o sucesso com a explosão de Ouro de Tolo, em 1973. Essa música debochava do consumismo dos tempos do “milagre brasileiro” e viria a se tornar um dos mitos mais persistentes e influentes do rock brasileiro.

Nos anos 1980 o rock brasileiro viveu uma espécie de renascimento, quando surgiram inúmeras bandas “de garagem” influenciadas por grupos estrangeiros como The Cure, The Smiths, Joy Division, Siouxie & The Banshees, Echo & the Bunnymen e Sugar Cubes.

Havia também aquelas com forte marca punk, a exemplo de Ira!, Legião Urbana (e Renato Russo), Capital Inicial, Barão Vermelho (e Cazuza), bem como o pernambucano Chico Science. Tinham um estilo underground, identificado com o ambiente urbano, e uma maneira de fazer rock com uma brasilidade claramente presente.

Foi a época, também, em que surgiram programas de rádio e televisão voltados para vídeo clipes ou documentários, como o Clip Trip, da TV Gazeta, e o Som Pop, da TV Cultura, comandado por Kid Vinil.

Em 1990 foi lançada a MTV/ Brasil, que, com o dinamismo de sua linguagem verbal e visual, ganhou principalmente o público jovem de classe média. Muitas bandas novas surgiram, com uma estrutura profissional, tecnológica e comercial mais forte e definida.

Instrumento de um processo que se consolidava, a MTV foi um marco na incorporação capitalista de certas formas de expressão cultural. Uma parte do rock tornou-se cada vez mais um negócio, mas ele ainda vive, de forma autentica, em sua intrínseca rebeldia.


Carolina Maria Ruy é Coordenadora do Centro de Memória Sindical
Vermelho