quarta-feira, 12 de junho de 2013

Vazamento de dados secretos dos EUA expõe privatização da segurança nacional


Ex-técnico da CIA que revelou programa de interceptação de dados telefônicos e da internet trabalhava para empresa que presta serviço ao governo americano
 
O ex-empregador de Edward Snowden, a Booz Allen Hamilton, tornou-se uma das mais lucrativas corporações dos EUA servindo quase que exclusivamente a um cliente: o governo americano.

AP
Placa do lado de fora do gabinete da Agência de Segurança Nacional (NSA) (07/06)
Muito do crescimento da companhia na última década veio de vender expertise, tecnologia e mão de obra para a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) e outros órgãos de inteligência. A Booz Allen ganhou US$ 1,3 bilhão (cerca de R$ 2,7 bilhões), ou 23% do seu faturamento total, com trabalho de inteligência no último ano fiscal.

O governo aumentou bastante os gastos em inteligência de alta tecnologia desde os ataques do 11 de Setembro de 2001, e tanto os governos de George W. Bush (2001-2009) quanto de Barack Obama escolheram se voltar ao setor privado para fazer grande parte do novo trabalho.


As empresas privadas fazem essencialmente o mesmo trabalho que milhares de pessoas formalmente empregadas pelo governo, aprovadas para lidar com informações secretas. Snowden, que revelou no domingo ter sido a fonte de vazamento de documentos de segurança nacional, era do setor privado.


Como evidência da relação próxima entre governo e a companhia está o fato de o chefe de inteligência de Obama, James R. Clapper Jr. , ser um ex-executivo da Bozz Allen. E John M. McConnell, que ocupou o cargo durante o governo Bush, hoje trabalha na Booz Allen.

“O aparato de segurança nacional tem sido cada vez mais privatizado e entregue a terceiros”, diz Danielle Brian, diretora-executiva do Project on Government Oversight (Projeto sobre a Supervisão Governamental, em tradução livre), uma ONG que estuda os contratos do governo federal. “Isso é algo que o público não sabe, qual é o processo pelo qual passaram os mais de 1 milhão de fornecedores que têm permissão para lidar com assuntos sigilosos.”
Reprodução/ Guardian
Edward Snowden, que revelou o programa de monitoramento da NSA: 'Não tenho nenhuma intenção de esconder quem sou porque sei que não fiz nada de errado'
Segundo Danielle, já chegou ao ponto de o processo de conceder autorizações de segurança ser frequentemente manejado por prestadores de serviços, permitindo que companhias deem esses tipos de autorizações governamentais a empregados do setor privado.

Companhias como a Booz Allen, a Lockheed Martin e a Computer Sciences Corporation também trabalham diretamente com a compilação de informações e o fornecimento de análises e recomendações a funcionários do governo. Empregados da Booz Allen trabalham dentro das instalações da NSA, uma das agências de inteligência que lidam com as informações mais secretas. A empresa também tem vários prédios de escritório perto da sede da NSA em Fort Meade, Maryland.


A companhia emprega 25 mil pessoas e quase metade delas tem permissão para “acessar informações que causariam ‘danos excepcionalmente graves’ à segurança nacional se fossem tornadas públicas”, dizem arquivos da empresa.

Em janeiro, a Booz Allen anunciou que começava a trabalhar com um novo contrato no valor de US$ 5,6 bilhões (R$ 12 bilhões) para os próximos cinco anos para fornecer serviços de análise de inteligência ao Departamento de Defesa. Pelo acordo, os empregados da Booz Allen estão recebendo a tarefa de ajudar a criar políticas para o Exército e para a segurança nacional.

O deputador Peter T. King, um republicano de New York e ex-presidente do Comitê de Segurança Interna da Câmara, disse que não há razão para acreditar que um funcionário privado tem mais chances de se tornar fonte de repórteres do que funcionários diretos do governo, pois ambos precisam obter autorização antes de ter acesso a informações secretas.


“Os procedimentos de segurança são tão estritos que isso (o vazamento feito por Snowden) é uma surpresa. Precisa haver uma investigação completa sobre o que aconteceu. Houve algum sinal de alerta? Havia assuntos no passado dele?”, indagou King.

Já Stewart A. Baker, que serviu como conselheiro geral da NSA nos anos 1990 e mais recentemente teve um cargo no Departamento de Segurança Nacional, acredita que a dependência de empregados de fora pode sim deixar o governo mais vulnerável a vazamentos.

“Dentro do governo há estruturas projetadas para que as pessoas entendam que podem expor dúvidas sobre a legalidade de determinadas atividades em canais internos. Você pode ir ao inspetor geral, aos Comitês de Inteligência; não é preciso tirar o véu do sigilo e expor segredos nacionais para conseguir atenção. Isso é um pouco menos óbvio para os prestadores de serviço”, disse Baker.


A Booz Allen reconheceu em uma declaração que Snowden foi um empregado seu. A companhia, com sede na Virgínia, é primariamente da área de tecnologia. Ela divulgou um faturamento de US$ 5,76 bilhões (R$12,3 bilhões) no ano fiscal que terminou em março e está na 436.ª colocação na lista da Fortune das 500 maiores de capital aberto. O governo responde por 98% do faturamento, diz a empresa.

Seu rápido crescimento, alimentado pelos investimentos do governo depois dos ataques do 11 de Setembro, fez com que ela fosse comprada em 2008 pelo Carlyle Group; em 2010, ela teve seu capital aberto na bolsa.


A companhia já teve ao menos um outro problema com a manutenção de dados de segurança. Em 2001, arquivos mantidos pela Booz Allen foram raqueados pelo grupo Anonymous, que alega ter roubado dezenas de milhares de senhas militares.
 

NYT
Por Binyamin Appelbaum e Eric Lipton
Portal iG 

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