terça-feira, 13 de setembro de 2016

Haroldo Lima: Cunha, uma queda didática

Um político brasileiro, golpista, vingativo, corrupto, arrogante, meio desequilibrado, caiu estrepitosamente. Foi Eduardo Cunha, o mesmo que desencadeou o golpe parlamentar que retirou da presidência da República, sem culpa formada, a primeira mulher brasileira que tinha sido eleita para o cargo.
Bruno Bou
A forte pressão social foi determinante na derrota estrepitosa de Eduardo Cunha

A cena política brasileira, que não passa por um bom momento, sai fortalecida do episódio em que a Câmara dos Deputados, em sessão respeitável, cassou o mandato de uma das personalidades mais execráveis da sua história.

A Câmara, que há pouco tempo atrás tinha envergonhado o Brasil exibindo ao mundo a "sessão do terror", quando aceitou, em clima carnavalesco, sem razão, um processo de impeachment, consegue agora apresentar-se aos olhos da nação como uma Casa que interpretou o seu desejo.

Mas houve uma razão decisiva para que isto acontecesse. A Câmara conseguiu erguer a cabeça nesse episódio por conta da movimentação popular incisiva contra Cunha, que é a mesma contra Themer, e que se dá às vésperas de uma eleição.

A votação seria aberta e os deputados sabiam que o povo mobilizado não perdoaria a "classe política" se ela não demonstrasse nessa batalha o mínimo de compostura.

Eduardo Cunha é um político menor do Brasil, grande enganador contudo. Tem uma história controvertida e conturbada, embalada por escândalos, chantagens e malabarismos. Em 1989, foi do Partido da Reconstrução Nacional, um partido minúsculo fundado por Fernando Collor para ser candidato a presidente da República. Aboletou-se na tesouraria da campanha de Collor no Rio de Janeiro, ligado ao chefe das finanças da campanha, o PC Farias, o elemento central das irregularidades da campanha. Por influência de PC Farias foi presidente da Telerj, a estatal de telecomunicações do Rio, onde engajou-se em providências para privatizá-la e envolveu-se em escândalos de superfaturamento e fraudes em licitações.

Collor cai, PC Farias também, mas Cunha escapa ileso e muda de partido, vai para o Partido Progressista Brasileiro, o PPB. Em 1996, vira réu em um dos processos que investigava o Esquema PC Farias, mas também escapa através de um habeas corpus. No governo do Garotinho, em 1999, ocupa a presidência da Companhia Estadual de Habitação, da qual foi afastado em 2000, por conta de novas denúncias de irregularidades com empresas fantasmas. Ficou produzindo programas evangélicos para rádio.

Depois de breve experiência como deputado estadual, em 2001, chega à Câmara dos Deputados em 2003. É quando entra no PMDB, pelo qual foi reeleito em 2006, 2010 e 2014, e do qual foi Líder em 2013.

O PMDB tem essa história esquisita: partido de Ulisses Guimarães, dos Autênticos, que jogou papel importante na luta contra a ditadura, na Constituinte e na democratização brasileira, que abrigou em suas fileiras o PCdoB, quando este era vítima da sanha repressora da ditadura, esse PMDB todavia, tornou-se vulnerável a oportunistas e arrivistas. Pois foi nele que o Cunha foi entrar.

Mas o prestígio de Cunha cresceu dentro do PMDB nessa maré montante de reacionarismo que o Brasil viveu, e ainda vive, sobretudo a partir de 2013. Foi quando avulta a importância da representação BBB, da Bala, do Boi e de uma visão fundamentalista e retrógrada da Bíblia. Surfando nessa onda, Cunha conseguiu eleger-se presidente da Câmara do Deputados no início de 2015, em primeiro turno de votação, com grande votação.

Como presidente, Cunha mostrou toda sua arrogância, poder de chantagem e capacidade de trair a Nação. Quando o país precisava ser econômico nos gastos públicos e o governo de Dilma Rousseff necessitava cortar gastos, Cunha levou sua enorme base parlamentar, cujo núcleo era a turma do BBB, a votar pautas-bomba, exorbitando os gastos de um governo em crise.

Finalmente ocorreu o seu ato mais canhestro e mais prejudicial à Nação, e onde expôs também todo seu espírito de vindita. A Comissão de Ética da Câmara examinava a quebra de decoro de sua conduta em uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Ele contava com os três votos dos deputados do PT para defendê-lo, e chantageava o governo da Dilma com esse apoio. Se esses votos não lhe defendesse, partiria contra o governo, liberando o processo de impeachment, independente de razões verdadeiras. E não deu outra.

No mesmo dia em que se revelou que os três votos do PT na Comissão de Ética não lhe serviriam, ele, como presidente da Câmara, deu encaminhamento ao impeachment de Dilma, mesmo sem crime de responsabilidade. A partir daí, é o que se viu: uma farsa grotesca foi montada, com apoio da mídia, e o país está agora às voltas com um governo ilegítimo, que não foi eleito pelo povo, e servil à turma da bufunfa, que já fala abertamente em quebrar direitos adquiridos pelo povo.

Um aspecto deve ser ressaltado, de tudo que ocorreu. É que o todo-poderoso presidente da Câmara caiu estrepitosamente, sofreu uma derrota arrasadora, de 450 votos a 10.

Já vimos que isto se deveu ao fator povo mobilizado, gritando fora Cunha, às vésperas das eleições de 2016. Deveu-se também ao voto aberto na Câmara.

Mas o povo que clamava pelo Fora Cunha, evoca também o Fora Temer e o Eleições Já. Daí se perceber que o mesmo fenômeno que cravou 450 votos a 10 contra o Cunha, terá condições também de afastar outro político que está em lugar errado, e levar o desfecho dessa crise às eleições diretas antecipadas, que reorganizará o poder político do país.

O estrépito da monumental queda do Cunha soa como o alarido do povo por Eleições Já.


Haroldo Lima é engenheiro, membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, foi deputado federal pela Bahia e presidente da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP)
Portal Vermelho

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