domingo, 23 de novembro de 2014

3° volume morto é único plano B, diz presidente da ANA

Maria Teresa Costa

O presidente da Agência Nacional das Águas (ANA), Vicente Andreu
Foto: Divulgação
O presidente da Agência Nacional das Águas (ANA), Vicente Andreu
 
O único plano B que existe para enfrentar a crise hídrica se a estiagem se repetir também nesse Verão é avançar na terceira e última cota do volume morto do Sistema Cantareira.
 
As obras anunciadas pelo governo do Estado para o enfrentamento da escassez, e que esperam pela parceria do governo federal, não estarão prontas em menos de dois anos.
 
São ações importantes para o futuro, mas para essa crise não há planos que possam suprir a falta de água que haverá nos rios e consequentemente nas casas, nas fábricas e no campo.

Nesta entrevista, o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, analisa a situação e as possibilidades futuras para garantir água para as duas regiões, São Paulo e Campinas.
 
“Entrando na terceira cota, dado o risco que isso representa, porque é a última parcela de água, algumas medidas pontuais para a solução de atendimentos emergenciais terão que ser combinadas. Algo acordado pontualmente terá que ser adotado, como caixas de água emergencialmente abastecidas por caminhões-pipa em hospitais, poços para abastecimento desses caminhões ou de unidades que não podem sofrer interrupção. É isso que nos deixa muito preocupados”, diz.

Correio Popular - Qual a dificuldade para estabelecer um acordo com o governo do Estado na gestão do Cantareira nesse período em que a crise hídrica ficou mais severa?
Vicente Andreu - A dificuldade está em estabelecer uma metodologia que defina critérios claros de como vamos gerenciar o volume de água existente. Eles fazem uma opção por manter uma vazão de retirada que é aquela apontada como mínima pela Sabesp. E então a empresa gerencia a partir da capacidade dela de suprimento, junto com outros mananciais de São Paulo. Tem um grande esforço da Sabesp nisso. A nossa opção é por gerenciar a partir da quantidade de água do reservatório incluindo uma meta sobre a qual os reservatórios irão chegar em determinada data. A diferença é que se as chuvas são pequenas, como tem acontecido, levaria a uma oferta de água bem menor do que a que está sendo feita agora. Eles alegam que é o mínimo que eles têm nas condições atuais e não concordam com a operação. Só que isso tem aumentado o risco dos reservatórios significativamente. No começo do ano tínhamos proposto uma metodologia que era a de ter em 30 de novembro 5% de volume útil nos reservatórios e eles nunca concordaram, sempre foram empurrando com a barriga.

O Cantareira está à espera desse acordo. Há possibilidade de ele sair?
O acordo para esse período não vai sair, mesmo porque quanto mais você demora, sem chuvas, a condição do acordo seguinte fica muito mais difícil. Acordo formalmente não vai ter. O que vai ter é uma expectativa de todos que as coisas se resolvam. No PCJ, diferentemente da questão específica da Sabesp, a gente tem conseguido chegar a acordos. No caso de São Paulo, acho muito difícil chegar. Há interesse de todos em um acordo para o futuro, caso a situação se normalize em função de chuvas, mas no curso da crise, as oportunidades foram sendo perdidas.

Então, sem um acordo, as retiradas do Cantareira para São Paulo continuarão sendo feitas conforme as necessidades da Sabesp?
Hoje tem sido assim, apesar de a Sabesp ter adotado uma série de medidas positivas. Ela conseguiu efetivamente reduzir a dependência do Sistema Cantareira. Em grande parte, aumentando a produção de outros reservatórios, mas aí é um problema específico dela. Ela está estressando particularmente o sistema Alto Tietê. Mas se não chover também naquela região, a crise vai acabar indo para outras regiões além daquela abastecida pelo Cantareira.

A ANA tem autonomia para impor restrições de captações nas bacias PCJ, mas a agência está buscando um acordo. Na reunião de terça-feira em Campinas isso não foi possível. A agência vai impor as restrições?
Há uma delegação de competências e por isso temos que apostar em um acordo. Os reservatórios Jaguari e Cachoeira são federais, mas, desde 2004, a delegação desses reservatórios e dos rios é do Daee. O problema da preponderância da opinião da Sabesp no que diz respeito à Região Metropolitana de São Paulo dificulta muito. No caso da calha do PCJ, há muitos usuários, com diversidades de opiniões, e é mais fácil um acordo. Quando há uma posição única, ou tem acordo ou não tem. No caso de São Paulo, tem a preponderância dos argumentos que a empresa leva ao governo de São Paulo e que, na minha opinião, já levaram a um nível muito alto de insegurança hídrica naquela bacia. Acaba me incomodando ter uma situação dessa gravidade sem ter um plano B. O único plano é continuar avançando no volume morto com o discurso que tem água até março, de que 2015 não vai ter problema de abastecimento.

Dá para garantir que em 2015 não haverá problema de abastecimento?
Não há nenhuma base técnica, nem uma alternativa que garanta essa afirmação. Claro que é o que a gente quer, que chova. Tanto pode chover como não. Porém, qualquer processo de gestão adequado deveria considerar cenários mais restritivos e as alternativas. Tanto isso é verdade que a Sabesp até hoje não apresentou um plano de contingência. Ela apresentou um plano de operação, deu título de plano de contingência e está passando batido. Um plano de contingência tem que definir que se ocorrer uma situação A fará tal coisa, se B, outra. Ela não apresentou isso até hoje, em quase um ano de crise. O que ela apresenta é que vai operar na cota tal, e vai tirar vazão tal, mas não considera hipóteses restritivas. No último trabalho da Sabesp, ela tinha projetado um número para outubro e novembro que estão bem abaixo do mínimo que ela tinha projetado, E com o mínimo que ela tinha projetado chegaríamos a abril com menos 5% no reservatório. Está acontecendo pior do que isso. Então, o que justificaria a hipótese de que as chuvas de janeiro, fevereiro e março vão ocorrer? Alguns acham que o problema é de São Paulo, mas há consequências sobre os reservatórios e sobre o PCJ que a gente não pode se omitir.

Mas o governo do Estado não sinaliza uma parceria quando encaminhou uma série de obras ao governo federal?
Ele apresentou uma série de obras para financiamento, e nem quero entrar no mérito de que ele havia anunciado que algumas delas seriam feitas com recursos próprios, como é o caso das barragens. Várias delas deveriam já ter sido feitas no passado, e não estarão prontas nos próximos dois anos. Mas o governador não sinalizou uma parceria na gestão dos reservatórios. Ele sinalizou parceria nas obras.

Não há nenhuma saída a não ser o uso da terceira cota do volume morto?
Não. Entrando na terceira cota, dado o risco que isso representa, porque é a última parcela de água, algumas medidas pontuais para a solução de atendimentos emergenciais terão que ser combinados. Algo acordado pontualmente terá que ser adotado, como caixas de água emergencialmente abastecidas por caminhões-pipa em hospitais, poços para abastecimento desses caminhões ou de unidades que não podem sofrer interrupção. É isso que nos deixa muito preocupados. O que mais desejo é que chova, porque a gente já aprendeu o suficiente sobre o que precisa melhorar.

A entrada na terceira cota ameaça a bacia PCJ?
Sim e não. Sim do ponto de vista de serem observadas as cotas mínimas para a manutenção de vazões. Do ponto de vista de volume, não, porque eles estariam reservados nem que fossem necessárias obras para garantir a retirada para o PCJ. O problema é que, esgotando a terceira cota também, aí não tem jeito e vai impactar todo mundo. O PCJ teria que adotar medidas pontuais para solução, como cavas de mineração, poços. Do ponto de vista simbólico, a última gota do Cantareira ficaria sempre com o PCJ, até por uma questão técnica e operacional, mas evidentemente aumentaria o risco. O PCJ tem uma demanda da calha dos rios. Fico apreensivo com o fato de a gente não ter conseguido formatar uma solução para a eventualidade de que a seca continue.

Na reunião com os usuários dos rios Atibaia, Jaguari e Camanducaia não houve acordo em relação às restrições a serem impostas. Esse acordo ainda é possível?
A presença de um ente federal acaba levando a uma supervalorização do nosso papel. Hoje a decisão primeira é do Daee até por delegação de competência. Serão sempre consensuais de ANA e Daee. As questões ficaram mais em relação aos problemas apresentado por Valinhos e Campinas. A gente está próximo de conseguir um acordo. Se as chuvas vierem, há possibilidade de não ter a recuperação dos reservatórios mas que as restrições não se apliquem porque haverá água nos rios. Isso também é preparatório para a gente entrar em um outro período seco, mas com regras estabelecidas.
 
 
Maria Teresa Costa | teresa@rac.com.br
iG Paulista 

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