A indignação sobe de tom. Até o Conselho de Segurança da ONU, conciliador perante guerras e agressões contra países soberanos, reclama a liquidação do Estado Islâmico e respectivo “califado” instalado manu militari em territórios do Iraque e da Síria.
Por José Goulão
Será tarde para apagar o fogo? A política de fatos consumados que caracteriza os comportamentos ocidentais no Oriente Médio já terá aberto o seu caminho estratégico primário – o desmantelamento territorial do Iraque e a criação de bases capazes de garantir a continuação da guerra contra a Síria – mas terá graves problemas para lidar com as chamas e travar o monstro que criou, mesmo que, por absurdo, pretendesse fazê-lo.
As supostas decapitações de jornalistas norte-americanos mobilizaram setores da opinião pública internacional e círculos de comunicação social em lamentos que chegam embebidos em enxurradas de lágrimas de crocodilo. Para trás ficaram fuzilamentos às centenas, crucificações em massa, cenários de tortura e até atos públicos de canibalismo como imagens de marca dos mercenários do Estado Islâmico por onde passaram ou nas regiões em que se instalaram.
Nessas alturas a carnificina era apenas parte de um “avanço surpreendente” tornado possível devido ao prolongado vazio de poder em Bagdá. E Barack Obama garantia que tinha “todas as opções em aberto” para responder à progressão dos “terroristas”, opções essas que se transformaram no que está a ver-se: nada que impeça os criminosos de consolidar o seu califado e prosseguir o contrabando de petróleo através da Turquia e Israel para destinos sem dúvida civilizados e democráticos.
Para consumo propagandístico, o Estado Islâmico – que inicialmente se chamava ainda “do Iraque e do Levante” – é o “mais terrível e sangrento grupo terrorista islâmico de sempre”, quiçá pior que a famigerada Al-Qaida, tão útil afinal em guerras como as da Síria e da Líbia.
À semelhança da rede fundada por Bin Laden, também o Estado Islâmico é obra e criatura dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Israel, talvez a melhor definição seja a de “filhote da Otan”.
Um jornalista deve dar novidades e evitar repetições, é verdade, mas às vezes esses princípios técnicos podem esperar perante memórias menos sólidas ou os efeitos nefastos dos tsunamis da propaganda global oficial.
O Estado Islâmico, tal como várias outras organizações terroristas islâmicas que lançaram e fomentam a guerra civil síria, é um instrumento dos governos que pretendem mudar o regime sírio, tal como mudaram os do Iraque, da Líbia, do Egito... : Estados Unidos, França, Reino Unido, União Europeia, Israel, Otan. As provas, mesmo escondidas, abundam e Edward Snowden já confirmou a sua autenticidade com base em documentação da Agência Nacional de Segurança (NSA) norte-americana. O Congresso dos Estados Unidos votou secretamente a concessão de milhões de dólares de apoio aos grupos que combatem contra Damasco pelo menos até 30 de Setembro; o Estado Islâmico e outros grupos afins beneficiam-se de apoio militar logístico e de socorro nas Colinas de Golã ocupadas por Israel; os mercenários islâmicos movem-se em veículos novos de fabrico norte-americano e dispõem de armamento ucraniano, certamente canalizado desde que o regime de Kiev foi “democratizado”; apesar da indignação e das sentenças do Conselho de Segurança, o petróleo de que o Estado Islâmico se apropria no Iraque continua a ser contrabandeado através da Turquia para portos israelenses e daí para o mundo; e, para que conste, não são os curdos manipulados pelos poderes internacionais que governam Bagdá que combatem o Estado Islâmico, mas sim os resistentes curdos da Síria e da Turquia.
O Estado Islâmico é um bando de carniceiros e criminosos? Parece que sim. Que dizer então dos seus criadores, financiadores, mentores e tutores?
José Goulão, jornalista português, é editor do Jornalistas sem Fronteiras
www.jornalistassemfronteiras.com/
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