Descumprimento de acordo entre movimentos sociais e a
PM prejudica desocupação de hotel abandonado; ao menos seis pessoas
ficaram feridas, além de crianças e idosos que passaram mal
por Miguel Martins
Pedro Presotto
PMs ocupam a esquina mais poética de São Paulo em área de conflitos
Se cruzasse a Ipiranga com a avenida São João na manhã desta terça-feira, 16, Caetano Veloso sentiria algo bem menos inspirador acontecer em seu coração. Localizado na esquina das vias eternizadas na canção Sampa, um prédio pertencente à empresa Aquarius Hotel Limitada, ocupado por mais de 200 famílias sem-teto há cerca de seis meses, foi alvo, a partir das 7 horas da manhã, de uma violenta operação de reintegração de posse, autorizada pela Justiça paulista. Seis pessoas ficaram feridas, segundo a Polícia Militar.
Projetado para ser um hotel, o edifício jamais foi concluído. A obra foi abandonada há cerca de uma década. Nesse interim, os 221 apartamentos do edifício tornaram-se um antro de baratas, ratos e pulgas. Em 3 de março deste ano, a Frente de Luta por Moradia, o Movimento Sem-Teto do Centro e o grupo Viver no Centro decidiram ocupar o local. A empresa proprietária passou a reivindicar a reintegração de posse na Justiça, suspensa por problemas logísticos em outras duas oportunidades.
Confirmada para a terça-feira, 16, a operação era de conhecimento dos moradores. A presença de um efetivo da PM inferior ao acordado irritou, porém, os ocupantes, que não aceitaram deixar o prédio sem as condições ideais. As famílias aguardavam a chegada de 40 caminhões, que seriam responsáveis por transportar os móveis, eletrodomésticos e pertences dos habitantes. Segundo integrantes dos movimentos de moradia, apenas 13 veículos e 40 policiais foram destacados para a operação.
Segundo moradores e lideranças dos movimentos ouvidos por CartaCapital, a Tropa de Choque da PM lançou uma bomba de gás no interior do edifício após tentativas frustradas de diálogo. Em resposta, os ocupantes passaram a jogar objetos de suas janelas, entre eles pedaços de eletrodomésticos, latas de tinta e cocos retirados de uma palmeira próxima ao prédio. Algumas crianças e idosos que passaram mal com os efeitos do gás foram deslocados para os andares mais altos.
O restante dos moradores formou um cordão de isolamento na entrada e avançou em direção à polícia, o que resultou em um confronto generalizado pelas ruas do centro. Confusões foram registrados na parte da manhã e da tarde nas ruas Barão de Itapetinga, Ipiranga, 24 de Maio e nas proximidades da Praça da República. Por volta das 10 horas da manhã, um ônibus foi incendiado perto do Theatro Municipal, a poucos metros do prédio invadido. Pessoas com os rostos cobertos com máscaras ou com a própria camisa teriam ajudado a incendiar o ônibus, segundo relatos. Houve ainda saques a lojas, o que levou o comércio a fechar as portas.
Moradora há seis meses do prédio, a estudante Tatiana Oliveira estava no trabalho quando a operação foi iniciada. Seu primo foi um dos 70 detidos pela polícia, encaminhados ao 3.º DP para averiguação. Ao saber da confusão, Tatiana dirigiu-se ao portão do prédio. “Havia crianças desmaiadas, presas em um quarto. A sorte é que havia socorristas e enfermeiros entre os moradores.”
Integrante do grupo Viver no Centro, Tatiane afirma que os moradores passaram a lançar os objetos na polícia apenas após a primeira bomba de gás ser disparada. Os ocupantes, diz, mantiveram a tranquilidade, enquanto indivíduos infiltrados foram responsáveis pelos saques e pelo incêndio ao ônibus. “Foi um caso isolado, Morador que é morador, como eu, estava revoltado na porta do prédio, tentando entender o que esses caras querem para o País. É para todo mundo estar na cadeia? É só nisso que se investe.”
Silmara Congo, uma das coordenadoras da FLM, afirma que foi discutida com a polícia a falta de condições logísticas para a realização da operação, mas não houve diálogo. “O capitão afirmou que, com ou sem os meios, ele iria entrar.” Silmara diz que a polícia retirou a coordenação do FLM da frente do prédio para então derrubar o portão com o auxílio de uma viatura. A ativista afirma ainda que o grupo mantém contato com a Secretaria de Habitação, mas até o momento não foi realizado o cadastramento das 132 famílias que ainda moravam no prédio.
O plano agora, diz Silmara, é montar um acampamento em frente ao edifício para abrigar os sem-teto. “A polícia vai continuar aqui, e nós também vamos. Se eles não se mexerem, nós não nos mexemos.”
Miguel Martins
Carta Capital
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