quarta-feira, 14 de junho de 2017

"O PT não participará de eleições indiretas"

por Rodrigo Martins
 
Recém eleita para a presidência do PT, a senadora Gleisi Hoffmann apoia a proposta de Diretas Já e não admite participação petista em negociações de candidaturas indiretas
Lula Marques/Agência PT

"Se não participamos do Colégio Eleitoral em 1985, no fim da ditadura, por que participaríamos agora, em meio a um golpe?"
 
"Se não participamos do Colégio Eleitoral em 1985, no fim da ditadura, por que participaríamos agora, em meio a um golpe?” Primeira mulher eleita para presidir o PT nos 37 anos de história do partido, a senadora Gleisi Hoffmann, do Paraná, não admite a participação de petistas em conchavos de candidaturas indiretas.

“Não tem ninguém autorizado pelo partido a levar adiante qualquer tipo de conversação nesse sentido.” Em entrevista a CartaCapital, a parlamentar faz a defesa enfática das Diretas Já, promete reagir à “fraude” de uma eleição sem Lula, reconhece os equívocos da política econômica de Dilma Rousseff e propõe uma ampla reforma da Constituição Federal, não apenas para restabelecer o pacto social firmado em 1988, mas também para avançar na regulação do sistema financeiro e do mercado de mídia.

CartaCapital: As últimas semanas foram pródigas em especulações sobre candidaturas indiretas, algumas delas com o suposto apoio do PT. O partido acaba de aprovar uma resolução dizendo que não participará de um eventual Colégio Eleitoral.

Gleisi Hoffmann: Em meio a essas especulações, alguns setores tentaram envolver o PT nesse tipo de discussão. No entanto, mesmo antes do congresso, quando esses rumores começaram a surgir, a direção do partido foi muito firme em desmentir, inclusive o presidente Lula. A resolução aprovada corrobora isso.

CC: Não há qualquer chance de o PT participar de eleições indiretas?

GH: Não há, e não havia antes. O congresso veio para deixar isso de forma clara, em alto e bom som. O PT não participará de eleições indiretas. Não tem ninguém autorizado pelo partido a levar adiante qualquer tipo de conversação nesse sentido.

Se não participamos do Colégio Eleitoral em 1985, no fim da ditadura, por que participaríamos agora, em meio a um golpe? Não há saída para a crise política sem chamar o povo para decidir o seu futuro. Qualquer conchavo, qualquer tentativa de solução de cúpula, não terá legitimidade, não será bem recebida pelo País.

CC: Mesmo cambaleante, Temer tem conseguido fazer avançar a reforma trabalhista no Senado. Como resistir a essa agenda?

GH:
O ambiente no Parlamento não é favorável, mas estamos mobilizando a população, fortalecendo as lutas populares. É o que temos feito desde o impeachment de Dilma Rousseff. Até pouco tempo atrás, tínhamos uma correlação de forças muito mais desfavorável.

Começamos a recuperar uma base de apoio importante para fazer frente a essas reformas. Claro que isso não se traduz imediatamente no comportamento do Congresso, mas influencia.

A votação da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado teve um placar apertado, 14 votos favoráveis e 11 contrários. Eles não estão mais com uma margem tão folgada para aprovar tudo o que desejam.

CC: Mesmo assim conseguem levar a pauta adiante...

GH: Por isso temos de investir nas manifestações de rua, na mobilização. A greve de 30 de junho é muito importante, assim como o lançamento da Frente Parlamentar Suprapartidária pelas Diretas Já na quarta-feira 7. A resistência está crescendo.

CC: Quais são as maiores ameaças da reforma trabalhista?

GH: Ela representa o desmonte da Justiça do Trabalho, a que mais atende pobres neste País. Cria uma série de obstáculos para dificultar o acesso do trabalhador, inclusive com a elevação dos custos a quem recorrer aos tribunais.

Os governistas aprovaram a terceirização da mão de obra, abrindo caminho para a criação do trabalhador autônomo, o falso microempreendedor, sem direito a férias, sem 13º salário. Agora querem liberar o trabalho intermitente, com o claro objetivo de reduzir salários.

Apesar de ficar integralmente à disposição do patrão, o empregado só receberá pela hora trabalhada. O retrocesso é enorme.

CC: Curiosamente, os promotores do impeachment agora demonstram um apego excepcional ao legalismo para defender as eleições indiretas. Evocam o artigo 16 da Constituição, a prever que novas regras eleitorais só entrem em vigor um ano após a sua promulgação. Dizem que os defensores das Diretas são golpistas. Como a senhora responde a esses “legalistas”?

GH: Isso é de um oportunismo político absurdo. Eles rasgaram a Constituição ao promover um impeachment sem crime de responsabilidade, aprovaram uma emenda constitucional que congela investimentos por 20 anos, desvinculando recursos da Educação e da Saúde, e agora invocam a Constituição para dizer que precisamos de estabilidade no País.

Na verdade, a eleição indireta nem sequer foi regulamentada pelo Congresso. Tem a previsão, mas não o regramento. Teríamos de regulamentar a matéria. O tempo para conseguir isso é o mesmo para aprovar a eleição direta na sucessão do Temer.

A PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, está pronta para ser votada no Plenário. Se tiver vontade política, em um mês, um mês e meio, pode ser analisada pelas duas Casas Legislativas. Esse papo de que não tem tempo é balela, não procede.

CC: Se o TSE não cassar o mandato de Temer, o cenário fica mais complicado, pois o processo de impeachment leva certo tempo. Nesse caso, haveria tempo hábil para eleições diretas?

GH: Existe ainda a possibilidade de Temer ser denunciado ao Supremo Tribunal Federal. O desgaste seria enorme, aumentaria muito a pressão para ele renunciar. Com o crescimento das manifestações de rua, a possibilidade de renúncia é real. E precisamos de uma saída para a crise: eleições diretas.

CC: O Congresso do PT deixou claro que seu candidato é Lula, não há segunda opção. O ex-presidente corre, porém, o risco de ter a candidatura inviabilizada, caso sofra uma condenação em segunda instância pela Lava Jato.

GH: Apesar dessa caçada judicial, não há provas concretas contra Lula. Existem muitas teses levantadas pelo Judiciário, baseadas em delações nunca comprovadas, com o claro objetivo de inviabilizá-lo politicamente.

Em uma guerra, o objetivo é destruir o inimigo. Não podem destruí-lo fisicamente, então atacam a sua honra, buscam impedi-lo de exercer a sua cidadania. Não vamos aceitar isso. Uma liderança com 40% das intenções espontâneas de voto não pode ser alijada de uma eleição. Isso seria uma violência à democracia, uma fraude. E fraude a gente denuncia.

CC: Durante o Congresso do PT, houve uma crítica contundente à condução da política econômica no segundo mandato de Dilma, com o ministro Joaquim Levy. Em que medida essa aposta na austeridade fiscal contribuiu para a derrocada de seu governo?

GH: Não tenho dúvidas de que a questão econômica foi determinante para angariar apoio popular ao golpe. Levy tocou um programa de austeridade num momento inoportuno. O receituário trouxe mais impactos negativos do que positivos.

Quando Dilma retirou Levy e colocou Nelson Barbosa em seu lugar, tínhamos uma série de medidas para reativar a economia, mas elas precisavam de certo tempo para trazer resultados. Com o golpe, as medidas neoliberais voltaram com força total, desestruturando de vez a economia brasileira.
Não tenho dúvidas de que a questão econômica foi determinante para angariar apoio popular ao golpe (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/Latinstock)
CC: O PT defende a convocação de uma Assembleia Constituinte. Qual é o objetivo? Reformar toda a Constituição ou somente as regras eleitorais?

GH: É preciso reformar toda a Constituição, pois ela está sendo desmontada pelos promotores do golpe. Precisamos resgatar as questões sociais e de cidadania, além de reformar o sistema financeiro, o mercado de mídia, a estrutura do Estado.

CC: Esse seria o melhor momento para puxar esse debate? Há uma inflexão conservadora bastante nítida na sociedade...

GH: Não discutimos ainda como operacionalizar isso nem qual é o melhor momento. Apenas reconhecemos que a Constituição tem sido desfigurada pelo Congresso sem um debate às claras com a sociedade.

Propomos, por exemplo, a regulação de mercados de mídia. Não se trata de cercear a liberdade deste ou daquele veículo de comunicação. Todo mundo é livre para falar o que quiser, com a linha editorial que bem entender. O que não pode é ter uma concentração tão grande dos meios nas mãos de poucos.

No Brasil, esse mercado é oligopolizado. Podemos nos mirar nas legislações de países mais avançados. A Inglaterra, para citar um caso, não permite a propriedade cruzada de meios, veda a formação de monopólios e oligopólios, até para garantir a diversidade e pluralidade de vozes, para fortalecer a democracia.


Rodrigo Martins
Carta Capital

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