Por Amanda Campos
Para especialistas, além dos norte-coreanos, países como EUA, Rússia e a própria Coreia do Sul rejeitam a possível mudança
Que a própria Coreia do Norte não queira se unificar com a do Sul, muito já se fala. Afinal, Kim Jong-un, líder supremo do país, não teria razão para dividir seu poder, o apoio da população e seus investimentos nucleares em um momento de avanço social e econômico expressivo. Mas a nação mais fechada do mundo não é a única interessada em manter-se no isolamento.
AP
O então líder norte-coreano Kim Jong Il, à esq., caminha com o filho Kim Jong Un, à dir., enquanto assistem à marcha comemorativa na Coreia do Norte (2010)
Apesar de o tema ser colocado pelas grandes potências mundiais como um desafio que, se alcançado, permitiria maior integração com o ocidente e a própria Ásia, o fato é que a unificação não interessa a ninguém. Essa é a constatação dos professores de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Paulo Fagundes Vizentini e Analúcia Danilevicz Pereira, que estiveram no país e escreveram o livro "A Revolução Coreana", a ser publicado pela editora da Unesp até o fim deste mês.
Segundo os pesquisadores, são vários os motivos que levam à essa rejeição. O Japão teme que uma Coreia reunificada se torne uma concorrente econômica séria na Ásia. Os Estados Unidos, que ocupam parte da fronteira sul-coreana, perderiam a razão de permanecer no continente – e, por consequência, sua expressão política na área. Rússia perderia espaço onde ainda é relevante politicamente e a China ganharia um concorrente capitalista de alto porte. Para a Coreia do Sul, a unificação custaria bilhões apenas para reverter os anos de atraso econômico do vizinho comunista.
"O fato mais importante a ser considerado é que a Coreia do Norte, como está hoje, é muito importante para esses países. Todos perderiam com a unificação", analisa Analúcia.
Vizentini explica que essa relutância em reunir as duas Coreias se explica ao longo da história. Depois da guerra com o Sul [1950 – 1953], a Coreia do Norte foi apoiada pela União Soviética (URSS), enquanto os EUA se estabeleceram com a outra parte do país. Com o fim da URSS, os países imaginaram que a nação norte-coreana entraria em colapso. E de fato a economia passou por sua pior crise na década de 1990. Mas conseguiu se "reinventar".
Líder norte-coreano Kim Jong Un, centro, chega a cemitério com restos mortais de combatentes do Exército do Povo Coreano em Pyongyang, Coreia do Norte (arquivo). Foto: AP
"Para o Norte, a unificação significaria o fim de sua independência. Mas, acima de tudo, os norte-coreanos vivem uma realidade completamente diferente da do Sul e do restante do mundo. Unir esses dois povos seria um problema interno gravíssimo", pondera o professor.
Força nuclear
Até as prioridades do governo norte-coreano diferem da de outros países, principalmente em termos bélicos. Em maio, o país alardeou o mundo ao informar, por meio do porta-voz da Comissão Nacional de Defesa do país, possuir tecnologia para miniaturizar ogivas nucleares e, por consequência, fabricar mísseis em grande escala.
Em conversa com o iG, Bradley Babson, especialista em Coreia do Norte da Universidade americana Johns Hopkins, afirma que o país tem desenvolvido capacidade nuclear tanto para se defender de possíveis avanços militares contra seu território quanto para ameaçar em direção a Coreia do Sul.
"Além dos programas nucleares e de mísseis como armas de destruição em massa, a Coreia do Norte tem mantido uma grande e ameaçadora capacidade militar centrada na Coreia do Sul. Embora os problemas econômicos tenham degradado essa capacidade, ele ainda é muito preocupante, especialmente para o país vizinho", admite.
Sociedade moderna
A expansão dos mercados na Coreia do Norte está em curso desde a fome de meados da década de 1990, quando o país passou por um colapso econômico que provocou escassez de alimentos, levou milhares à morte e acabou com o sistema de produção agrícola. Para sobressair, o sistema de distribuição pública foi vencido pelo mercado de agricultores, que surgiu e cresceu durante o período da fome.
Entre 2002 e 2003, esse sistema foi tão bem adaptado que os mercados privados acabaram legalizados. Nos últimos anos, esses setores se desenvolveram significativamente, principalmente por causa do comércio transfronteiriço com a China. "O Governo tem tolerado esta mudança, mas tentou de vez em quando suprimir os mercados", explica Bradley Babson.
Agora, grande parte da renda dos norte-coreanos vem de atividades de mercado, e não de trabalhos no âmbito da economia liderada pelo Estado. O governo ainda não abraçou a idéia de apoiar ativamente reformas para gerir essa transição, o que mantém o partido e os militares peças fundamentais para a vida no país. Wikimedia Commons
Arco do Triunfo em Pyongyang, Coreia do Norte (Arquivo)
Paralelamente a indústria, há ainda forte investimento na qualificação científica, inclusive do Exército, com objetivo de modernizar o país sem promover reformas que ameacem o regime e a elite dirigente. Nas salas de aula universitárias, por exemplo, todos os alunos têm acesso a computadores – mas com restrição a muitos sites. O mesmo ocorre com a telefonia celular. É possível ver em Pyongyang, capital do país, por exemplo, jovens e adultos grudados em seus aparelhos móveis.
"Todos têm celular moderno, mas com acesso apenas às linhas nacionais. Isso tem a ver também com um recurso de defesa do país. Eles se protegem de qualquer investida digital", afirma a professora.
Segundo Paulo Fagundes Vizentini, "Esse projeto do Kim é amplamente apoiado por grande parte da sociedade norte-coreana. Mesmo nos momentos de crise" porque, para os norte-coreanos, é importante ter um líder. "É algo que nos foge porque é uma coisa cultural diferente. Mas temos de lembrar que esse país nasceu de uma guerra muito violenta com o Japão, que tentou exterminar o povo, e de conflitos com países como os EUA. Eles precisam se sentir protegidos", pondera Vizentini.
Amanda Campos
iG São Paulo
domingo, 24 de maio de 2015
Avanço econômico silencioso da Coreia do Norte afasta ideia de reunificação
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