domingo, 24 de maio de 2015

Avanço econômico silencioso da Coreia do Norte afasta ideia de reunificação

Por Amanda Campos

Para especialistas, além dos norte-coreanos, países como EUA, Rússia e a própria Coreia do Sul rejeitam a possível mudança

Que a própria Coreia do Norte não queira se unificar com a do Sul, muito já se fala. Afinal, Kim Jong-un, líder supremo do país, não teria razão para dividir seu poder, o apoio da população e seus investimentos nucleares em um momento de avanço social e econômico expressivo. Mas a nação mais fechada do mundo não é a única interessada em manter-se no isolamento.
AP
O então líder norte-coreano Kim Jong Il, à esq., caminha com o filho Kim Jong Un, à dir., enquanto assistem à marcha comemorativa na Coreia do Norte (2010)


Apesar de o tema ser colocado pelas grandes potências mundiais como um desafio que, se alcançado, permitiria maior integração com o ocidente e a própria Ásia, o fato é que a unificação não interessa a ninguém. Essa é a constatação dos professores de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Paulo Fagundes Vizentini e Analúcia Danilevicz Pereira, que estiveram no país e escreveram o livro "A Revolução Coreana", a ser publicado pela editora da Unesp até o fim deste mês.

Segundo os pesquisadores, são vários os motivos que levam à essa rejeição. O Japão teme que uma Coreia reunificada se torne uma concorrente econômica séria na Ásia. Os Estados Unidos, que ocupam parte da fronteira sul-coreana, perderiam a razão de permanecer no continente – e, por consequência, sua expressão política na área. Rússia perderia espaço onde ainda é relevante politicamente e a China ganharia um concorrente capitalista de alto porte. Para a Coreia do Sul, a unificação custaria bilhões apenas para reverter os anos de atraso econômico do vizinho comunista.

"O fato mais importante a ser considerado é que a Coreia do Norte, como está hoje, é muito importante para esses países. Todos perderiam com a unificação", analisa Analúcia.

Vizentini explica que essa relutância em reunir as duas Coreias se explica ao longo da história. Depois da guerra com o Sul [1950 – 1953], a Coreia do Norte foi apoiada pela União Soviética (URSS), enquanto os EUA se estabeleceram com a outra parte do país. Com o fim da URSS, os países imaginaram que a nação norte-coreana entraria em colapso. E de fato a economia passou por sua pior crise na década de 1990. Mas conseguiu se "reinventar".

Líder norte-coreano Kim Jong Un, centro, chega a cemitério com restos mortais de combatentes do Exército do Povo Coreano em Pyongyang, Coreia do Norte (arquivo). Foto: AP

"Para o Norte, a unificação significaria o fim de sua independência. Mas, acima de tudo, os norte-coreanos vivem uma realidade completamente diferente da do Sul e do restante do mundo. Unir esses dois povos seria um problema interno gravíssimo", pondera o professor.

Força nuclear


Até as prioridades do governo norte-coreano diferem da de outros países, principalmente em termos bélicos. Em maio, o país alardeou o mundo ao informar, por meio do porta-voz da Comissão Nacional de Defesa do país, possuir tecnologia para miniaturizar ogivas nucleares e, por consequência, fabricar mísseis em grande escala.

Em conversa com o iG, Bradley Babson, especialista em Coreia do Norte da Universidade americana Johns Hopkins, afirma que o país tem desenvolvido capacidade nuclear tanto para se defender de possíveis avanços militares contra seu território quanto para ameaçar em direção a Coreia do Sul.

"Além dos programas nucleares e de mísseis como armas de destruição em massa, a Coreia do Norte tem mantido uma grande e ameaçadora capacidade militar centrada na Coreia do Sul. Embora os problemas econômicos tenham degradado essa capacidade, ele ainda é muito preocupante, especialmente para o país vizinho", admite.

Sociedade moderna

A expansão dos mercados na Coreia do Norte está em curso desde a fome de meados da década de 1990, quando o país passou por um colapso econômico que provocou escassez de alimentos, levou milhares à morte e acabou com o sistema de produção agrícola. Para sobressair, o sistema de distribuição pública foi vencido pelo mercado de agricultores, que surgiu e cresceu durante o período da fome.

Entre 2002 e 2003, esse sistema foi tão bem adaptado que os mercados privados acabaram legalizados. Nos últimos anos, esses setores se desenvolveram significativamente, principalmente por causa do comércio transfronteiriço com a China. "O Governo tem tolerado esta mudança, mas tentou de vez em quando suprimir os mercados", explica Bradley Babson.

Agora, grande parte da renda dos norte-coreanos vem de atividades de mercado, e não de trabalhos no âmbito da economia liderada pelo Estado. O governo ainda não abraçou a idéia de apoiar ativamente reformas para gerir essa transição, o que mantém o partido e os militares peças fundamentais para a vida no país. Wikimedia Commons
Arco do Triunfo em Pyongyang, Coreia do Norte (Arquivo)


Paralelamente a indústria, há ainda forte investimento na qualificação científica, inclusive do Exército, com objetivo de modernizar o país sem promover reformas que ameacem o regime e a elite dirigente. Nas salas de aula universitárias, por exemplo, todos os alunos têm acesso a computadores – mas com restrição a muitos sites. O mesmo ocorre com a telefonia celular. É possível ver em Pyongyang, capital do país, por exemplo, jovens e adultos grudados em seus aparelhos móveis.

"Todos têm celular moderno, mas com acesso apenas às linhas nacionais. Isso tem a ver também com um recurso de defesa do país. Eles se protegem de qualquer investida digital", afirma a professora.

Segundo Paulo Fagundes Vizentini, "Esse projeto do Kim é amplamente apoiado por grande parte da sociedade norte-coreana. Mesmo nos momentos de crise" porque, para os norte-coreanos, é importante ter um líder. "É algo que nos foge porque é uma coisa cultural diferente. Mas temos de lembrar que esse país nasceu de uma guerra muito violenta com o Japão, que tentou exterminar o povo, e de conflitos com países como os EUA. Eles precisam se sentir protegidos", pondera Vizentini.


Amanda Campos
iG São Paulo

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